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VIRORIO

     Em reunião decidimos nos pautar em uma pergunta: O que você não vê no rio? Não vemos sua ocupação ou sua utilização, na verdade muita gente nem o vê como parte da cidade. Elas passam todo dia perto dele, seja cruzando pontes ou encarando horas de congestionamento na Marginal, mas não o enxergam. Então, chegamos à segunda pergunta norteadora: as pessoas deixaram de valorizar o rio por quê ele ficou sujo ou ele ficou sujo por quê as pessoas deixaram de valorizá-lo?

    Considerando a dificuldade de nos aproximar de sua margem e da possibilidade de ocupação (em termos estruturais), decidimos levar o rio para dentro da cidade. Se dar as costas a ele fez parte do processo histórico de ocupação de São Paulo, nada melhor do que se utilizar de sua história para se fazer visto. Seu leito original, hoje, cortaria muitas vias importantes da cidade. E este leito carregou muitas histórias, de hábitos, de uma cultura de rio [5] que não existe mais.

Levá-lo para dentro da cidade é uma maneira de obrigar as pessoas a olharem indiretamente para este rio. Olharem para uma estrutura urbana que demanda mais ações, outros costumes, e mais que tudo, para uma possibilidade de coexistência e revalorização que não está perdida.

 

Hoje, a comunicação encerra os contatos humanos dentro de espaços de controle que decompõem o vínculo social em elementos distintos. A atividade artística, por sua vez, tenta efetuar ligações modestas, abrir algumas passagens obstruídas, por em contato níveis de realidade apartados. (BOURRIAUD, 2009)

   

     Fomos atrás das vivências do rio, das relações de afetividade que as pessoas estabeleceram com ele ao longo da história. Em pesquisa no Museu da Pessoa, coletamos alguns trechos desses relatos, sem o apelo saudosista da memória, mas como fonte de dados da utilização do rio no passado. Selecionamos os fatos que aconteceram em áreas de ocupação urbana pós-retificação e transformamo-os em pontos de atuação.
     Resolvemos levar estas frases até as pessoas como maneira de problematizar a relação que elas têm com a cidade, no caso específico, o rio. Assumimos que o cidadão não participativo politicamente, por sua abstenção, se torna diretamente ativo na destruição. Por sua vez, as decisões políticas que proíbem o livre acesso ao espaço são fatores impeditivos de discernimento popular.
     A impressão dessas frases em meios públicos cria uma nova alegoria urbana em pontos estratégicos que incitam o olhar. A partir desse reconhecimento visual, o rio se torna real pelo ato de torna-lo visível também ao outro. “Por realidade se assume aquilo que eu posso comentar com outrem” (BOURRIAUD, 2009). O diálogo se inicia na intervenção. Ao comunicar lançamos uma ideia que será rebatida à sua maneira. Nessa relação, o espectador cria um momento de socialidade, portanto a obra em si é um objeto produtor de socialidade (BOURRIAUD, 2009).

 

 

[5] Conceito desenvolvido considerando os costumes desenvolvidos por comunidades que se utilizam de rio. Ou seja, as relações rotineiras que certas populações desenvolvem em uma vida em torno do rio. Denominamos “cultura” por considerarmos essas relações tão intrínsecas à essas sociedades, que fazem parte da sua identidade, seu povo, sua cultura.

 

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